Backpacking light – Matéria da Revista Papo de Montanha

Backpacking light – Matéria da Revista Papo de Montanha

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O CEL, Centro Excursionista Light do Rio de Janeiro publicou mais um número da ótima revista Papo de Montanha. Somos leitores assíduos, dado a qualidade técnica dos colunistas, do material e dos assuntos tratados. Nesta edição (junho/2016), o Alexandre Charão, montanhista desde 1990 e presidente do C.E.Carioca e 2º Vice-Presidente da FERMERJ trouxe para suas páginas uma excelente matéria sobre o peso de nossa carga (mochila) relacionada com nossa capacidade de cumprir longos percursos (caminhada). Chamou este novo conceito e tendência de “Carregue menos e Veja mais”.

A seguir, o texto original. Fonte Revista Papo de Montanha Ano 4 / número 1 / abril 2016

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Lá fora o peso de certos itens como mochila, barraca e saco de dormir caiu muito, permitindo ao montanhista americano ou europeu caminhar bem mais leve. Com menos peso, pode-se caminhar mais rápido, podemos fazer mais pausas e curtiremos mais o visual. A caminhada se torna mais prazerosa.

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A quilometragem por dia pode ser aumentada, se quisermos, pulando alguns acampamentos. Isto permite levar menos comida (pois passaremos menos tempo na montanha) e, portanto, permite usar uma mochila de capacidade menor, mais leve. Isto gera um ciclo vicioso positivo muito saudável. É sobre estas atitudes que vamos falar nesta matéria.
Não gosto de usar expressões em inglês (eles usam a expressão pack light, walk fast), então eu traduzi como ‘carga leve, passo rápido’.

Esta expressão não aborda só a REDUÇÃO DO PESO, mas também uma PROGRAMAÇÃO para o seu dia render mais. Poderíamos inclusive chamar esta matéria de Carregue menos e vá mais longe ou Carregue menos e veja mais, seriam bons títulos alternativos.

MAS QUAL A RELAÇÃO COM OS FRIENDS?
Ray Jardine é a resposta. Este engenheiro aeroespacial começou a escalar em Yosemite e foi o primeiro a fazer a Face Oeste do El Captain em livre. Ele inventou o FRIEND usando seusfriend conhecimentos de engenharia e vendeu os direitos para a Wild Country. Com os royalties, ele começou uma série de aventuras ao redor do globo que duram até hoje. Ele e sua esposa Jenny caíram na estrada e realizaram uma série de feitos em termos de longas caminhadas (2.000km ou mais), caiaque oceânico, mergulho autônomo e outros esportes como remo e ski. Depois de fazer a Pacific Crest Trail algumas vezes, em tempos cada vez menores, ele percebeu que o material vendido era muito pesado e começou a fabricar seu próprio material. Além disso, criou métodos para caminhar distâncias bem maiores a cada dia, mais de 50 km por dia (!) e acabou publicando seu primeiro livro, um Guia para Caminhar a Pacific Crest Trail (4.260 km do Canadá até o México) em 1991. Em 1999 o livro foi ampliado para qualquer tipo de caminhada e se chamou Beyond Backpack. Em 2009 uma revisão atualizou os conceitos e o título ficou A Trail Life, leitura esta muito recomendada.
Mais detalhes podem ser vistos no seu site www.rayjardine.com . Ray tem 72 anos e continua suas aventuras, em novembro de 2015 fez 5.000 km de moto pela península de Baja com sua esposa. Seu site contém dicas de como fazer uma barraca ou saco de dormir, como fazer manutenção de motos ou como construir um caiaque. Ou seja, a mesma criatividade que usou para inventar o Friend, ele usou para caminhar mais leve. Ray Jardine é o pai do Pack light sem dúvida alguma.

QUE OUTROS AUTORES POSSO CONSULTAR?
Outros aventureiros, mais jovens e mais antenados com a Internet acabaram sendo os “apóstolos” do Pack Light: Andrew Skurka e Ryan Jordan. O primeiro atravessou a pé os Estados Unidos do Atlântico até o Pacífico caminhando 12.500 km e foi eleito Aventureiro do ano pela National Geographic. Andrew escreveu o The Ultimate Hiker’s Gear Guide.
Ryan Jordan mora em Montana e mantém talvez o melhor site sobre Pack Light, dá aulas, leva escoteiros e clientes para oficinas de Carga Leve etc. Ele é muito didático e organizado, suas planilhas de equipamentos e sua logística antes e durante a caminhada são exemplos a serem seguidos.
Edward B. “Ed” Garvey foi um conservacionista importante e autor de 3 livros sobre Trilhas de Longo Curso. Ele foi homenageado no Hall of Fame da Appalachian Trail. Menciono este autor pois foram as trilhas de longo curso que forçaram os montanhistas a levarem cada vez menos peso fixo, para poder levar mais comida e diminuir a necessidade de sair da trilha para se abastecer.
Colin Fletcher escreveu :The Thousand Mile Summer, The Man Who Walked Through Time e o importantíssimo The Complete Walker entre outros.
Harvey Manning (50 Hikes in Mount Rainier National Park e Backpacking: One Step at a Time) também foi um conservacionista importante e prolífico autor sobre caminhadas.

AFINAL, DE QUAIS PESOS ESTAMOS FALANDO?
Estamos falando do peso da sua mochila, certo? E o peso carregado na mochila é igual à soma do peso variável (comida, água e combustível do fogareiro) MAIS o peso fixo. Na verdade ainda existiria o peso que você carrega fora da mochila, como a sua roupa, seus óculos, boné e qualquer coisa que tenha nos bolsos (out of the skin weight) porém, neste artigo, vamos nos ater ao peso fixo e ao peso variável. É fundamental entender a diferença entre os dois.

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Peso fixo:
É todo o peso da sua mochila que não diminui ao longo da viagem: roupas, panela, fogareiro, primeiros-socorros entram nesta pesagem. A barraca, a mochila em si, seu saco de dormir também estão incluídos no peso fixo. É principalmente isto que será abordado nesta matéria.

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Peso variável:
É o que diminui ao longo da viagem. É basicamente a água, comida e o combustível do fogareiro. Falaremos sobre formas de diminuir estes no fim da matéria.

Pronto, você já tem uma primeira dica: quando for separar todo o material da sua próxima viagem, separe de um lado todo o peso fixo e do outro o peso variável. Foque muito na redução do primeiro, comida e combustível serão diminuídos depois, aos poucos, depois de alguns testes na montanha (ver a seção COMO COMEÇAR).

OS TRÊS GRANDES PESOS
Mas o que é que pesa mesmo? No que vale a pena investir? Legal ter uma lanterna mais leve, mas qual é o impacto disto sobre o peso fixo? Muito pouco eu diria. Se você quer diminuir mesmo o peso nas suas costas, a resposta é: diminua o peso dos TRÊS GRANDES (big three, em inglês), que são: a BARRACA, a MOCHILA e o SACO DE DORMIR. Utilizando como referência alguns produtos modernos, já disponíveis no mercado externo, podemos ver na tabela abaixo a diminuição do peso destes três grandes e o impacto no peso total carregado:

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Três gerações de mochilas cargueiras: uma Lowe Alpine de 1995, feita de cordura e pesando 3kg, uma Black Diamond de nylon reforçado de 2 kg e uma Zpacks feita de Cuben com 700 g

Para evitar confusão nos termos vou chamar o peso carregado nas costas de peso total, para diferenciar do peso da mochila em si (este é o peso da cargueira vazia). Digamos que você vá fazer uma caminhada de 40 km e que seu peso total carregado seja de 18 kg (digamos que seja inverno e você calcula uns 4 dias na montanha). Pois bem, com as dicas acima houve uma redução de 6 kg nos três mais pesados, diminuindo consequentemente 6 kg do seu peso total. Seu novo peso total carregado passou para 12 kg, certo? Só com estas mudanças você vai caminhar mais rápido, mais feliz, vai curtir mais, tirar mais fotos e chegará antes em cada etapa da sua travessia ou poderá atingir distâncias maiores a cada dia de caminhada. Isto é o Carga Leve, Passo rápido! Não é uma corrida para ver quem chega primeiro, pelo contrário, você irá parar mais vezes se quiser. Ou poderá fazer a mesma travessia em menos dias, sendo obrigado a levar menos comida ou podendo visitar outros pontos inalcançáveis com aquela antiga cargueira de 70+10 litros. Ou seja, foque em reduzir estes TRÊS MAIS PESADOS antes de investir em uma câmera mais leve ou fogareiro de titânio. O resultado será surpreendente.

COMO COMEÇAR?
O verão é uma excelente época para listar seus equipamentos e começar a fazer estas mudanças. Separe todo o seu material depois de ler esta matéria e vá modificando (comprando) materiais mais leves. Faça alguns testes curtos (uma travessia de 2 dias) assim que puder e vá corrigindo seu equipo. Quando chegar o inverno, você já terá um peso fixo menor.
Sugiro fazer uma mudança lenta, gradual ao invés de querer mudar tudo de uma vez. Existem os 5 pilares do Carga Leve, tente usar alguns destes pilares e vá melhorando aos poucos.

1.Faça um inventário de tudo que vai levar (tem que pesar cada item)tic
2.Simplifique ao máximo
3.Considere condições não extremas de frio (ou seja, se esfriar muito terá que dormir todo vestido, ao invés de levar um saco de dormir pesado)
4.Faça uso múltiplo de certos objetos. Uma frigideira pode virar uma tampa de panela, um bastão de caminhada pode sustentar um toldo de barraca etc.
5.Desenvolva seu próprio ritmo de caminhada, porém com disciplina. Pare, beba e coma nos intervalos que você determinar, mesmo que não esteja exausto (é justamente para impedir a exaustão que existem este intervalos).

Para cumprir estes 5 pilares, não se arrisque e respeite 3 princípios: mude um item de cada vez (ou seja, não teste dois ou mais itens novos na mesma viagem, pode dar muito errado), não sacrifique seu conforto ou segurança e esteja disposto a mudar seu ritmo (acordar mais cedo, não parar toda hora, caminhar até tarde). Você vai ver que esta mudança gradual trará caminhadas mais prazerosas, com menos sofrimento devido à mochila mais leve. Depois de um tempo vai querer repetir alguns trajetos clássicos no seu novo estilo ‘Carga leve, passo rápido’ e verá as incríveis mudanças que terão acontecido.
Ficou curioso? Assista ao vídeo Book trailer: The Ultimate Hiker’s Gear Guide.

PRIMEIRAS MUDANÇAS
Compre um bom saco de dormir, de 0º C, se suas caminhadas forem só no Brasil. Se quiser incluir Torres del Paine ou Peru, considere comprar um saco de -7º C. Prefira os de pena de ganso ou de pato, são mais leves. A Trilhas e Rumos já está fazendo aqui no Brasil, os pesos variam de 1,2 kg a 1,7 kg. Cuidado com os limites extremos de temperatura, prefira usar o limite conforto ou o limite tolerância.
Reduza o tamanho e o peso da sua mochila cargueira. Experimente uma Conquista Rock´nRoll de 50 litros, pesa 840 gramas ou alguma mochila estrangeira barata, tipo REI e KELTY (pesam 1,5 kg, mas são um pouco maiores).

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A Equinox e a Decathlon também tem boas mochilas, com peso também em torno de 1,5 kg. Tente experimentar a mochila antes, analise a barrigueira, as alças e os acessórios.
A barraca talvez seja o item mais difícil de conseguir. As opções brasileiras até diminuíram de peso, porém continuam pesadas (talvez por falta de matériadica prima leve e resistente). Se for comprar no Brasil, experimente a AZTEC Minipack para 1 pessoa com 1.750g ou então a Nepal para 2 pessoas com 1.950g. Lembre que, sendo a barraca para duas pessoas, o peso será dividido por 2.
Se estiver precisando de um anorak, experimente o Kailash Andes Pro com 420 g de peso. Tente usar material nacional, temos excelentes fabricantes!

E DEPOIS? QUAL O PRÓXIMO PASSO?
Veremos em breve que nem precisará mais usar aquelas botas de caminhada parrudas, pois um bom tênis de trilha fará um ótimo trabalho para suportar o peso de não mais 18 kg mas sim de 12 kg (ainda usando aquele exemplo de redução de peso).

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Já é uma grande redução, um grande conforto na caminhada, um sofrimento a menos para os joelhos, um prazer a mais para a mente.
E sobre o restante do material, além dos TRÊS MAIS? Falaremos sobre todos os itens até o final da matéria, não se preocupem. Acontece que temos a MÉDIA da redução do peso, ou seja, a média do Pack Light e temos os extremos, ou seja, reduções ainda maiores do peso. Vou abordar rapidamente esta classificação para que todos possam entender até onde se pode chegar, ainda que sacrifique o conforto na montanha. Ressalto que esta redução de peso NUNCA se aplica a equipamentos de segurança como primeiros socorros, lanterna e cobertor de emergência.
É claro que materiais de ponta e mais leves custarão mais caro; no final farei algumas sugestões sobre materiais, preços, onde comprar e sites de Backpacking Light para se informar mais e saber onde conseguir material mais leve.

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EXTREMOS DO CARGA LEVE
Conforme os materiais evoluíram e as exigências com conforto diminuíram, alguns montanhistas mais radicais foram cortando itens não essenciais e descobrindo mais de uma função para um item, o que permite eliminar um deles.
Desta forma surgiram as seguintes modalidades dentro do Carga Leve, considerando apenas o peso fixo:

1.Ligthweight backpacking: abaixo de 15 libras (<7,5 kg)
2.Ultralight: abaixo de 10 (< 4,5 kg)
3.Super ultralight: abaixo de 5 libras (<2,5 kg)
4.Extreme ultralight: abaixo de 3 libras (< 1,5 kg)

Na minha experiência, é fácil atingir a primeira classe e talvez a segunda. As duas últimas eu prefiro deixar para os experts, alguns deles vão acampar somente com uma grande pochete lombar! A razão de preferir não diminuir demais minha carga é a segurança e o conforto: gosto de levar um celular e um livro, prefiro uma barraca mais fechada para me proteger bem da chuva ao invés de usar somente um toldo ou uma rede para dormir. Enfim, me parece que reduções extremas podem ser desconfortáveis ou até perigosas.

DICA:
Faça de tudo para reduzir seu peso fixo para 7 kg, mas, caso não consiga, tente chegar em 8 kg. A única forma efetiva de reduzir é mudando os TRÊS MAIS (mochila, barraca e saco de dormir), não perca tempo nem dinheiro comprando espeques de titânio se a sua cargueira vazia pesa mais de 2 kg. Tente usar uma de ataque que tenha barrigueira e comece com travessias de 2 dias, se algo der errado terá sido só uma noite no mato. Pese sua mochila de ataque e pese a cargueira, veja com foi simples reduzir seu peso fixo. Se for no verão, use um saco leve e compare com o peso do saco de inverno, veja quanto a menos você vai carregar. A barraca é um item difícil de reduzir por falta de opções nacionais, como já foi citado. Veremos alguns modelos importados, talvez valha a pena trazer de fora.

OK, DIMINUÍ O PESO, E AGORA?
Bom, a filosofia Carga Leve não é somente uma busca desenfreada por materiais mais leves, afinal de contas temos o lado do ‘Passo rápido’ que ainda não foi abordado. Como fazer para caminhar mais a cada dia?

  • Primeiro conceito:velocidade média
    Um homem caminha 6 km por hora no plano e na montanha é comum esta velocidade cair para 2 ou 3 km por hora devido aos obstáculos e à subida. Em certas trilhas como a do Pico Paraná, o excesso de raízes e árvores caídas faz esta velocidade cair para 1,5 km/hora. Vamos supor que sua mochila ainda é pesada e vamos ficar com a velocidade de 2 km/hora só para exemplificar. Esta é velocidade de caminhada mesmo, sem contar as paradas.
  • Segundo conceito: quebrar o dia de caminha em etapas
    Vamos dizer que você estime caminhar 5 horas num certo dia. Para ter um rendimento maior, é necessário que você quebre este dia em várias etapas. Você já vai entender o porquê.
  • Terceiro e último conceito: multiplique sua velocidade média pelo número de horas caminhadas
    Neste exemplo aqui teremos 5 horas de caminhada a 2km/hora, ou seja um total de 10 km percorridos num dia. Pegue o mapa, veja distâncias e você já terá uma noção se chegará na área de acampamento ou no refúgio pretendido ou se terá que mudar seus planos para este trecho. Cuidado, este é um cálculo grosseiro, não incluímos as paradas até agora.

Bom, agora que vem a parte legal: colocar tudo isto em prática! Vamos lá? Agora sim é hora de acrescentar as paradas! Vamos começar parando a cada 1 hora?

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Bom, esta foi a etapa de inventariar a sua caminhada, ver não só o seu rendimento (ou do seu grupo) caminhando mas também de levar em conta as paradas. Percebemos, graças à tabela acima, que a sua velocidade de caminhada que era de 2 km por hora caiu para uma velocidade real de 1,66 km por hora. Mas, será que, com uma mochila mais leve, não poderíamos caminhar mais rápido? Claro que sim!! Óbvio que sim! Este é o objetivo do Carga Leve!
Quantas novas paisagens você não poderia ver se, tendo diminuído o peso da sua mochila, você caminhasse a 2,5 km/h? Vamos ver quantos quilômetros a mais seria? Se a sua velocidade aumentar para 2,5 km/h, terá percorrido 12,5 km nas mesmas 5 horas de caminhada, ou seja, você diminui o peso da sua mochila e caminha 25% a mais no mesmo dia. E caminhandocom muito menos sofrimento! Depois que adotei o pack light, obtive por diversas vezes uma média de 3 km/h devido ao peso extremamente baixo da mochila. Ainda no exemplo acima, de 5h de caminhada (6 horas de atividade), eu teria caminhado 15 km ao total, ou seja, 50% a mais do que com uma mochila pesada. Isto tudo sem caminhar mais horas por dia! Dá para chegar cedo, ir numa cachoeira ou mirante e curtir ainda mais a montanha.

COMO FAZER RENDER O DIA AINDA MAIS?
Existem vários métodos para isto, afinal de contas alguns seguidores do Pack Light caminham mais de 30 km por dia. Vamos ver como eles conseguem fazer isto?

  • Caminhando mais horas
    Podemos começar acrescentando 2 horas a mais de caminhada no dia. Ainda no primeiro exemplo, da tabela, caminhando a 2 km/h (considerei que esta velocidade seria ainda usando uma mochila pesada), teríamos então 7h de caminhada e 8:20h de tempo acumulado e iríamos terminar às 17:20h, ainda cedo mesmo no inverno. A distância caminhada teria sido não mais 10 km, mas de 14 km (pois na tabela estávamos caminhando a 2 km/h).
  • Aumentando a velocidade
    Agora sim vou considerar, neste exemplo fictício (mas perfeitamente praticável) que você diminuiu bastante o peso total carregado e que, por este motivo, conseguiu aumentar sua velocidade para 2,5 km/h. Vamos manter o tempo total de 8:20h (7h de caminhada mais 1:20h para as paradas). Caminhando 7 horas por dia a 2,5 km/h (graças à carga mais leve), caminharemos 17,5 km no dia. Serão 5 pausas de 10 minutos e uma de 30 minutos (almoço).
  • Parando menos
    Eu me acostumei a só parar a cada 2 horas. A cada hora cheia eu até como uma barrinha ou maçã e tomo água, porém eu não paro e não retiro a mochila. A comida tem que estar na barrigueira e a água tem que vir por um caninho (estilo camelback) ou já tem que estar na lateral da mochila. A parada de 10 minutos, tirando a mochila, só acontece a cada 2 horas. Tudo é uma questão de treino.

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Perceba que, parando menos, eu acabo mais cedo porém minha distância total caminhada no dia continua a mesma (17,5 km no dia, no último cálculo que fizemos). Se quiser aumentar ainda mais a distância do dia, basta você continuar a caminhar um pouco mais de tempo. Cuidado, em certos lugares como Torres del Paine ou El Chálten existem lugares específicos para acampar, se você chegou em um deles e quiser continuar, verifique se vai conseguir chegar no próximo.

Já na Cordillera Blanca, no Peru, o camping é livre, portanto você pode continuar até onde quiser e armar sua barraca onde encontrar um bom lugar.

  • Acordando mais cedo
    Lá naquela tabela eu previa um início da caminhada às 9h. Acordando às 7h e tendo menos coisas para empacotar, ficará fácil você sair às 8h. Além do mais, no dia anterior, você poderá chegar mais cedo no acampamento (se caminhar mais leve) e poderá dormir mais cedo. Portanto, pode acrescentar mais 2,5 km percorrido, se sair mais cedo. Chegamos portanto a um total de 20 km percorridos em 8 horas de caminhada, fora as paradas.
  • Qual foi a evolução?
    Lembra que lá no primeiro exemplo, da tabela, tínhamos terminado o dia após caminhar somente 10 km? Cada um faz no estilo que quiser, mas se você tiver um circuito de 120 km, como no Paine, fará em 12 dias ao invés de 6 e terá que carregar muito mais comida para tantos acampamentos.
  • Indo além
    O legal do Carga Leve é que funciona por módulos, você pode seguir estas dicas só até onde quiser. Pode por exemplo só trocar o seu material por algo mais leve e caminhar um pouco mais rápido. Ou pode só acordar mais cedo. Agora, se você se empolgar e colocar em prática todos os conhecimentos descritos nesta matéria, como ficaria aquela mesma tabela? Ao invés de caminhar 10 km em 6h de atividade total, como ficaria o seu percurso? Em quanto tempo? Lembre-se, você pode ir adotando estas medidas aos poucos! Vamos imaginar alguém que decidisse adotar todas as medidas? Usando a velocidade de 2,5 km/h, o desempenho deste montanhista ficaria assim:

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Como disse, ninguém é obrigado a adotar todas as medidas ao mesmo tempo, faça progressivamente. Se achar que 10h de caminhada é muito, não tem problema, reduza para 8h de caminhada. Mesmo assim você terá feito 20 km no dia, ou seja, o dobro da distância original num tempo acumulado de 9 horas (só 50% a mais de tempo total). Percebe a diferença? O DOBRO da distância com apenas 50% a mais de tempo.

  • Interpretando de outra forma
    Somos enganados por percentuais e a busca pela eficiência, num momento de lazer, podemos causar medo em alguns leitores. Não se deixe enganar e nem se intimidar pelas distâncias detalhadas aqui. Ao ler que vamos caminhar 100% a mais por dia, entenda que aquela trilha de 40 km, que seria feita em 4 dias, será feita em 2 dias! O que achou? Já se convenceu? Mãos a obra! Não se convenceu? Continue lendo!

E AS CONSEQUÊNCIAS DISTO?
Acontece que os benefícios do Carga leve, passo Rápido se retroalimentam! Como assim? Oras, se aquela travessia de 40 km será feita só em 2 dias e 1 noite, você precisa levar bem menos comida. Agora você vai poder fazer só num fim de semana comum, ao invés de ter que esperar um feriado. Você terá que aquecer somente um jantar e um café da manhã, o resto será comida de trilha, sem necessidade de esquentar. Seria possível levar só um fogareiro a álcool, pequeno, ao invés do gás e fogareiro convencional que pesam uns 400g? Sim! E só uma panelinha já vai bastar (comece a usar comida liofilizada).
Além de carregar menos peso e ter que cozinhar menos, a meteorologia tem mais chances de acertar pois em 48 horas você já estará fora da montanha. Sendo assim, você irá ainda mais confiante que suas roupas vão aguentar, já que será só uma noite na montanha. Banho na trilha? Para que se no domingo de noite estará em casa? A própria comida de trilha será bem menor, já que serão só 2 dias caminhando.

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CONCLUSÕES
Seu rendimento será maior com esta mochila menor. Vai ficar mais agradável para pular pedras, caminhar um pouco mais rápido, fazer mais paradas se quiser e tirar mais fotos e curtir, já que agora você consegue fazer render mais o seu dia.

Por isso tudo a filosofia ‘Carga leve, passo rápido” é tão bacana. Se estivéssemos falando de uma travessia clássica de 3 dias, na Serra dos Orgãos por exemplo, não haverá mais aquele sofrimento para subir uma pirambeira no primeiro dia, carregando uma mochila super pesada, passar o segundo dia subindo e descendo, pulando pedras sem agilidade alguma e ainda ter que frear todo o seu peso na descida do último dia, já que após ler esta matéria você conseguirá diminuir seu peso total em 30% ou 40%. E talvez faça a tal travessia em 2 dias.

» Comece aos poucos, uma travessia Marins-Itaguaré em 2 dias é muito indicada para treinar. Use uma mochila de ataque com barrigueira para desapegar da velha e pesada mochila cargueira.

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Para quem está treinando para trilhas mais longas, a matéria fica mais importante ainda. Trilhas como o Circuito O, Huayhuash e a GR-20 na Córsega tem mais de 120 km e demandam uma mochila muito leve mesmo. No Brasil carecemos destas trilhas mas já existe um movimento para implantá-las (ver Seminário Internacional de Trilhas de Longo Curso).

Viva mais aventuras
com seu novo estilo de caminhar!

titulos

Espero que este matéria tenha sido útil. Mais informações podem ser encontradas na Internet ou assistindo a palestra sobre Carga Leve que fiz no Centro Excursionista Light (Papo de Montanha).

PÓS-LEITURA

Existem os benchmarks (referências) de peso para cada item do equipamento. Isto será objeto de uma segunda matéria. No momento, vou só apontar as referências para os TRÊS MAIS. O que é uma referência? É algo que você deve saber que existe, que deve buscar chegar perto, quando estiver adquirindo material novo. O preço em dólares e a disponibilidade desaco-de-dormir certos itens só nos EUA são os principais obstáculos para nós, montanhistas do Brasil.

Saco de dormir: existem várias referências, principalmente no mercado americano e europeu, como o WM Ultralite (820g) e o FF FlickerQuilt com 822 g. A Zpacks tem quilts (saco de dormir que não cobre a cabeça) pesando 600g.

Barraca padrão: barraca Big Agnes 2p de 1,2 kg, com armação. Referência leve (e cara): Zpacks Duplex de 600g (tem que usar bastão de caminhada como armação). Referência mais acessível: REI Half Dome.

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Mochilas: as referências são ULA Equipment modelo OHM, 900 gramas e todos os modelos da Zpacks (entre 500 a 700g). Esta marca tem uma boa tela de aeração nas costas, ideal para ventilar e ajudar a controlar a temperatura corporal em nosso clima quente.

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Alguns sites de equipamentos:

Hyperlite Montain Gear

Western Mountaineering

GossamerGear

LaufBursche

Se não conseguir esperar a próxima parte desta matéria, leia esta lista (lembra que tem que inventariar tudo que vai levar?): Backpacking Gear Lista Template + 3-season Cheklist

Sugerimos também a leitura do artigo dos amigos mochileiros e blogueiros de viagem, Matheus e Nayara, editores do blog O Baú do Viajante. Eles dão 5 dicas essenciais para arrumar seu mochilão.

Se você transita bem pelo inglês, sugiro conhecer este incrível artigo do blog X 10 Adventures – Backpacking Checklist: Essential Gear for a Multi-day Hike.

Autor: Alexandre Charão / Fotos: Carla Milione e arquivo pessoal do autor
Conheça o
CEL – Centro Excursionista Light

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